A Igreja e o Movimento feminista
A princípio, unir em uma mesma frase termos como religião e feminismo pode parecer bastante estranho e contraditório aos olhos de quem lê. O que é comum, considerando que vivemos em uma sociedade que demonstra extremo preconceito quando o assunto são pautas minoritárias e, por isso, é recorrente ouvirmos falas negativas sobre o movimento feminista, como se fosse um movimento de mulheres histéricas e insubmissas, que em nada tem a ver com as questões religiosas.
Porém, o feminismo não se trata de um movimento de inversão de valores, feminismo é um movimento político, filosófico, cultural e social que busca construir um mundo em que a igualdade entre os gêneros seja uma realidade e não uma utopia irrealizável. Portanto não se trata do oposto de machismo, não é uma ideologia que visa a primazia das mulheres em detrimento dos homens, é sim uma luta por igualdade, equidade, respeito às diferenças e superação das desigualdades, sendo um movimento múltiplo, diverso, nada homogêneo, possuindo diversas vertentes de discussão e frentes de atuação, inclusive entre religiosas cristãs, tanto católicas quanto evangélicas.
O movimento feminista existe e persiste em nossa sociedade porque há uma grande desigualdade entre homens e mulheres, na qual o capitalismo – mesmo sob o lema da liberdade e igualdade – não se preocupou em superar, mas, ao contrário, se apropriou de modo a se estruturar em cima dessa desigualdade, reproduzindo uma lógica de divisão de tarefas e de remuneração que mantém homens e mulheres em patamares diferentes, mantendo desta forma a dominação machista e também do capitalismo na ordem social. Isso se dá porque ao longo do desenvolvimento do sistema capitalista, a mulher permaneceu no lugar do trabalho reprodutivo, que seria a atividade justamente de casa, do cuidado, para que a classe trabalhadora continue produzindo mais e mais trabalhadores, ativos e saudáveis. Mas, em determinado momento, as mulheres pobres foram empregadas de maneira extremamente injusta: a elas estendeu-se o trabalho produtivo assalariado, mas não as foi poupada a função do trabalho reprodutivo, continuando como responsabilidade das mulheres a manutenção do espaço doméstico, o que levou à dupla e até tripla jornada de trabalho enfrentada por mulheres no mundo todo. Além disso, dados de 2019 mostram que a desigualdade salarial no Brasil passava dos 20% de disparidade entre a remuneração masculina e a feminina , o que quer dizer que em pleno século XXI ainda existem empresas que pagam mais para homens e menos para mulheres que possuem mesma formação e executam a mesma função, ou seja, mulheres trabalham mais e recebem menos por isso.
Em meados do século XX, a filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu às mulheres as seguintes palavras: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”, o que nos leva a pensar no atual contexto e como a desigualdade de gênero no nosso país tem aumentado: em um só dia, o governo federal vetou um projeto de lei sobre a distribuição gratuita de absorventes à mulheres de baixa renda e estudantes das escolas públicas; o judiciário catarinense absolveu um estuprador, crime em que existiam provas para a condenação; e uma mãe negra e periférica foi condenada a anos de prisão por ter roubado macarrão instantâneo em um mercado para dar de comer aos filhos. Portanto, fica evidente que para se alcançar uma sociedade justa que respeita os direitos humanos e sociais, as questões dos grupos minoritários (mulheres, negros e indígenas e população LGBT+) devem ser levantadas e priorizadas. O movimento feminista tem crescido e se apresentado palpável às instituições religiosas que, assim como muitos dos movimentos sociais, preza por uma sociabilidade mais igualitária e atenciosa aos mais necessitados.
Na Igreja Católica os debates sobre feminismo e desigualdade de gênero se apresentam pautados principalmente por fiéis – mulheres e homens – sejam elas teólogas ou não, que, individual ou coletivamente, sob frases como “até Maria foi consultada para ser mãe do filho de Deus”, questionam o papel das mulheres por vezes relegado pelo catolicismo e procuram exaltar a sua participação na História, na Bíblia, nos cargos de poder na igreja, ou seja, de colocar a mulher em um lugar de importância como, elas afirmam, o próprio Cristo colocou. Apesar do trabalho essencial e muito bem fundamentado realizado por essas organizações, elas sofrem diversos ataques de ordem religiosa e judicial, medidas que tentam reforçar na Igreja um conservadorismo que não condiz com a conduta cristã. Em Maringá, a Cáritas Arquidiocesana vem realizando importantíssimas atividades de conscientização e profissionalização de mulheres, produzindo conhecimento e as práticas necessárias para sua a autonomia.
O Movimento Feminista é um importante motor para a transformação de nossa sociedade!
Nicolle Montalvão
(Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá – UEM,
Professora de Sociologia na rede pública de educação e
Professora voluntária da Escola de Cultura, Fé e Política da Cáritas Maringá.)