Que o presente não me seja indiferente[1]
Que a dor não me seja indiferente, é uma das expressões que definem os desafios postos nesses tempos difíceis, como nos últimos dois anos no Brasil e no mundo, quando todos tiveram que enfrentar a nova realidade posta pela pandemia. Quando a vida está difícil para todos, a dor do outro não nos pode ser indiferente. O sofrimento do outro não pode ser diminuído, ignorado ou justificado pela dor que se sente. Em momentos como esses, o nosso individualismo é confrontado pela nossa consciência social, pelo nosso compromisso com o plano de Deus, pela certeza de que a busca pelo bem comum é a saída para a superação das mazelas criadas e intensificadas para a justificação das formas de exclusão.
Ao longo dos últimos dois anos, fizemos o curso de formação na Escola de Cultura, Fé e Política da Cáritas Arquidiocesana de Maringá, onde tivemos a possibilidade de juntos, apesar das dificuldades de participar das aulas remotas (online), compartilhar nossas dores, sobretudo nos propor a compreender com maior profundidade a maneira como se estrutura uma sociedade desigual e as implicações dessa forma de organização social que em tempos de crise, como o atual, tende a levar ao individualismo, quando a urgência da situação pede compromisso com a solidariedade e o coletivismo.
Que a injustiça não me seja indiferente, foi também uma das percepções que construímos com maior profundidade no âmbito da Escola, pois, o estudo aprofundado da Doutrina social da Igreja nos fez entender que a vida de Jesus Cristo é o testemunho de uma vida voltada para o povo, uma vida de amor aos oprimidos, contrária às injustiças. Compreendemos que a depender da forma como se olha para os oprimidos, de fato, se intensifica a exclusão, se desumaniza os excluídos, ignora-se a subalternização do outro. Sob a luz da Doutrina social, chegamos ao entendimento de que Jesus contesta o não comprometimento com a questão social e, por isso, a ação social na igreja deve estar voltada para a transformação da realidade, onde a pobreza e as injustiças não tem lugar.
Que a guerra não me seja indiferente, igualmente foi tema de nossas muitas reflexões, considerando que a guerra nunca será justa. Ao contrário, as guerras atendem a interesses econômicos, de dominação e de controle, por parte daqueles que justificam
a guerra como necessária. Mesmo quando a guerra não está declarada, os conflitos que levam à sua realização estão presentes no mundo atual. O ódio, o medo, o pânico, a simples ameaça do que pode vir a acontecer, alimenta em parte da sociedade a crença na violência como forma de resolução dos problemas. Porém, o que se observa é a circunstância da guerra assombrando a vida, levando muitos à amargura e outros a defenderem práticas violentas, como por exemplo, o armamento da sociedade. Se a guerra não se justifica, sob a luz da Doutrina social é importante compreender os elementos históricos e sociais que a constituem, para que se possa identificar os sinais de sua presença e combatê-los, visto que representam o caminho oposto na construção de uma sociedade socialmente justa e igualitária.
Que a mentira não me seja indiferente. Compreender que a mentira existe, não é suficiente para a sua dissuasão, é preciso demonstrar. No dito popular, uma mentira muitas vezes repetida, vira verdade. Claro que isso é uma inverdade, porém, desmontar uma mentira requer a comprovação do seu contrário. Apesar de todas as manifestações de racismo, de xenofobia, da violência contra a mulher, do trabalho infantil, do sexismo, do sectarismo religioso e de tantas outras atrocidades, essas práticas continuam a ser negadas como existentes em nossa sociedade e pior, de maneira contundente afirmam que se trata de “mentiras”. Sabemos que não, contudo, o desafio de não ser indiferente à mentira propagada por aqueles que negam as atrocidades, é reunir os elementos de indicação do contraditório, bem como, propor ou se engajar em iniciativas que promovam a extinção de falsas verdades, com o objetivo de promover a igualdade, o amor fraternal.
Que o futuro não me seja indiferente. A construção de uma sociabilidade diferente, não segregadora, intolerante e individualista no futuro, depende da ação social consciente e do compromisso de todos. Para que a indiferença não nos defina, faz-se necessária a persistência na transformação da realidade social, o desapego da liberdade individual e o compromisso na construção de alternativas libertadoras, para a consolidação do Bem Viver, inspirado nas diretrizes da Doutrina social. Para tanto, temos claro que o presente não nos pode ser indiferente!
Formandos Turma 2020 da Escola de Cultura, Fé e Política -
Cáritas Arquidiocesana de Maringá.
[1] Texto inspirado na canção Solo Le Pido a Dios, autoria de León Gieco.